A Educação de Jovens e Adultos no Brasil e a Influência de Paulo Freire

Bem vindo ao Blog de discussão sobre Paulo Freire e a EJA no Brasil.

Esse blog foi criado no contexto das aulas de Temas Fundamentais das Ciências da Educação do curso de Pedagogia Noturno na UFMG no primeiro semestre de 2010, com o objetivo de compreendermos a influência desse educador nas práticas educacionais de EJA no Brasil e no uso de tecnologias como recurso didático na EJA, particularmente na região metropolitana de Belo Horizonte.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Uma experiência com jornal escolar na EJA (relato de uma ex-monitora)

Este relato é de uma ex-monitora do Proef1 (projeto de extensão universitária da UFMG que atende turmas de educação de jovens e adultos do primeiro segmento)

Relembrando minha experiência de 3 anos na EJA (Educação de Jovens e Adultos) como monitora/professora do Proef1, reflito aqui alguns aspectos sobre mídia (jornal impresso e televisão), sistema de informações e seus usos na EJA.

Durante o segundo e terceiro ano que estive no projeto (2007 e 2008, respectivamente) foi proposto, como prática pedagógica, a elaboração de um jornal escolar com edição semestral que deveria ser desenvolvido com os estudantes. Partindo do princípio de Paulo Freire, de que os educandos fazem parte de seu processo de aprendizagem, a proposta foi feita aos mesmos que se revelaram interessados no assunto.

Foi realizada várias oficinas sobre elaboração de jornal conosco, para posteriormente trabalharmos com os estudantes. Quando começamos os trabalhos com os educandos, nada foi imposto, pelo contrário: o layout do jornal e a escolha de quais editoriais seriam importantes estarem no mesmo foram escolhidos pelos próprios estudantes. O mesmo aconteceu com as escolhas dos editoriais por turma e dos temas trabalhados em cada edição.

Durante todo o trabalho, das três edições de jornais que participei, foi possível discutirmos os objetivos do jornal (para que, para quem), as intenções e escolhas de seus assuntos e editoriais (por que um assunto e não outro, por que um editorial e não outro), as diferenças entre linguagem falada (gravações de entrevistas) e linguagem escrita (transcrição e reestruturação de entrevistas) e sua funcionalidade (comunicação e informação). Todo o trabalho foi realizado durante as aulas através de várias oficinas, produção de texto e análise da escrita e da fala, além dos próprios educandos realizarem as entrevistas e tirarem as fotos para o jornal.

Pensando no que Paulo Freire sempre discutiu sobre leitura crítica do ato de ler e escrever e sobre as mídias e seus sistemas de comunicação, reflito que com essa prática pedagógica foi possível levar os estudantes a compreenderem o ato de leitura e escrita como escolhas intensionais e que o jornal, como outras mídias comunicativas, não são neutros, ou seja, carregados de verdades absolutas. Não sendo neutros são atos, sistemas e objetos repletos de escolhas e intensões. Essa reflexão foi tão profunda, nas turmas que trabalhei, que na segunda edição já conseguiam perceber que as informações, dos jornais que circulam na cidade e que passam na televisão, não são totalmente verdadeiras e que alguém as informações a serem impressas ou passadas na televisão.


(Publicado por Simone Maria Bandeira Moutinho - Pedagoga formada pela UFMG e ex-monitora do Proef1)

domingo, 6 de junho de 2010

Entrevista estudande da EJA

Estas entrevistas foram realizadas em uma Escola Municipal da região metropolitana de Belo Horizonte com uma professora e três alunas da EJA.
É importante fazer uma reflexão sobre a maneira que a educação crítica e libertadora está restrita a um grupo da camada social. Para ratificar essa afirmação, que não pretendo delongar e não é foco das observações, aprecia-se as entrevistadas, todas pertencentes à camada popular, que não tiveram acesso à escola e não foram alfabetizadas no ensino regular na idade “apropriada”.
Uma escolarização ampla e de qualidade ainda está distante da realidade desses alfabetizandos, apesar de observar que a alfabetização dessas adultas não é tratada e realizada, por parte da docente, de maneira autoritária com foco na apreensão mágica da palavra doada às educandas. Pelo contrário a professora busca palavras de histórias contadas pelas discentes, a fim de inseri-las no processo da escrita. Porém não garante uma educação que atende as concepçõs de Paulo Friere, libertadora e crítica. Pois, as ações do profissional, muitas vezes, estão submetidas ao controle dos governantes que tem o interesse em formar apenas eleitores.
Portanto, não se pode afirmar que a educação que elas têm acesso realmente as permitem refletir sobre o que se aprende e esse aprendizado tem o objetivo de conscientizá-las democraticamente ou ajudá-las a formar opinião.


Entrevista com aluna M

Entrevista com a Srª M, de 59 anos, faxineira e está na EJA a menos de um ano.
Foi motivada a voltar à escola devida a insatisfação que tinha diante da postura do marido, político, que a deixava alienada de todas as reuniões e decisões tomadas em grupo. Em sua concepção não aprendeu a ler e nem a escrever por vontade própria, pois preferia namorar a estudar. Afirma que seus irmãos estudaram.
Para ela, o ensino na EJA é muito importante e alega que o ensino não se compara ao das crianças das séries regulares, pois nesse a tarefa é mais difícil e complicada de fazer.
De acordo com a entrevistada a falta de alfabetização não a impediu de trabalhar, até se aposentar, em vários lugares de faxineira, cozinheira e outros trabalhos domésticos e para personalidades importantes, como afirma com vaidade.

Entrevista com aluna JG

Entrevista com a Srª JG, de 67 anos, trabalhou em vários serviços domésticos e também em trabalhos de roça. Ela voltou a estudar porque atualmente dedica mais tempo à igreja e tem o desejo de ler a bíblia, compreender o que está escrito e estender essa leitura aos companheiros da igreja. Não chegou a freqüentar a escola na infância por dificuldades financeiras e precisou trabalhar, a fim de contribuir em casa para o sustento da família.
A Srª JG acha muito importante o que está aprendendo e fala que é uma pessoa que sabe tratar as pessoas com respeito e educação independente de ter freqüentado o ensino regular. Isto ela aprendeu com seus pais.

sábado, 5 de junho de 2010

Entrevista professor da EJA


Nome: A.G.

Idade: 39 anos.

Formação acadêmica: Geografia - Licenciatura - IGC/UFMG em 1996.

Quantos anos trabalha com a EJA?
Oficialmente há 4 meses, no entanto, sempre lecionei no turno da noite (Regular Noturno) desde que comecei, há 14 anos. Nesta escola (E.M.Prof.C.C.) há 10 anos. Os estudantes sempre tiveram o mesmo perfil da EJA, só que o aprendizado se fazia dentro da lógica do Regular Noturno. A PBH autorizou a Escola oferecer a modalidade da EJA em 2010.

Qual a faixa etária dos estudantes da EJA? Dos 14 aos 70 anos.

Caracterize quem são os estudantes da EJA hoje?
Podemos destacar dois conjuntos:
O primeiro é formado por jovens estudantes (14 aos 18 anos) que são oriundos de outras escolas e que foram retidos no último ano do Ensino Fundamental em 2009. Percebo certo padrão nas estruturas familiares destes estudantes: a maioria criada pela mãe sem a participação do pai ou ainda pelos avós. A mãe quase sempre está trabalhando, pouco participando da vida escolar do estudante. Existe uma grande quantidade de pais que têm envolvimento com vícios ou com delitos. Chamou a minha atenção a grande quantidade de estudantes do sexo masculino (cerca de 80%) em relação às estudantes do sexo feminino.
O segundo é formado por estudantes que não tiveram possibilidades de estudar ou continuar a estudar por uma série de motivos: trabalho, fracasso escolar, dificuldade de acesso à escola. Há o discurso entre estes estudantes de que a formação escolar no passado não tinha importância para o que faziam no seu tempo. Hoje, com a modernidade, percebem que a escolarização é muito importante. Chamou a minha atenção a grande quantidade de estudantes do sexo feminino (cerca de 70%) em relação aos estudantes do sexo masculino.

Quais as características mais marcantes dos estudantes da EJA?
No primeiro grupo de estudantes percebo que são marcados pelo mundo moderno. São ligados à mídia, moda. São ciborgues. Transgridem o padrão cultural. Por isso entram em choque com a cultura da escola, que é muito tradicional, apesar das tentativas de mudança (Escola Plural, por exemplo). Gostam de estar na escola mas não de estar na sala de aula.
No segundo grupo de estudantes percebo que são, em sua grande maioria, migrantes do meio rural ou de pequenas cidades. Eles sempre manifestam que querem estudar para resgatar o "tempo perdido". Este tempo está associado a uma escola tradicional conteudista, moralista. Gostam da escola e da sala de aula. Quando a rotina da sala de aula é quebrada através de projetos, palestras, filmes, eles acham que "não é aula" e que estão perdendo tempo. Saliento que existe uma pequena porção de estudantes que são mais flexíveis.

Como se organiza a EJA nesta escola?
Ainda estamos construindo o Projeto Político Pedagógico. Atualmente há muita similaridade com o Ensino Regular Noturno, mas estamos refletindo novas abordagens e estudando os aspectos da EJA. A própria modalidade está sendo rediscutida no âmbito da Secretaria de Educação do município. Neste momento são sete salas: Duas para alfabetização e cinco equivalentes aos últimos anos do Ensino Fundamental. Neste último grupo atuam professores das matérias específicas. Houve uma tentativa de reenturmação dos estudantes no início do ano, mas a insatisfação foi generalizada, comprometendo até mesmo a existência do noturno. Voltamos atrás e estamos aguardando e participando das propostas que estão sendo feitas pela Secretaria da Educação.

Quais as metodologias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem?
Principalmente aulas teóricas dos conteúdos específicos na sala de aula. No meu caso, as aulas são muito dialogadas, pois valorizo o conhecimento dos estudantes. Há, paralelamente, algumas tentativas de projetos que estão sendo desenvolvidos com pequenos grupos de estudantes: teatro, jornal impresso e resgate de auto-estima.

Que materiais, didáticos ou não, são utilizados neste processo?
Livros didáticos tradicionais, aulas teóricas, mídia (filmes, internet, jornais, revistas).

Que materiais e conhecimentos dos adultos são utilizados nas aulas?
Suas vivências orais são muito acionadas dentro das aulas teóricas. Houve, no ano de 2009, a confecção de diários individuais de cada estudante.

Como é acompanhado o processo de desenvolvimento dos estudantes?
O diálogo durante as aulas teóricas e as produções de textos são duas formas importantes nesta escola.

Quais são os processos avaliativos?
Avaliação tradicional por disciplina, avaliação multidisciplinar e principalmente os diálogos e produções de textos elaborados nas aulas.

Como é realizada a progressão dos estudantes?
Discutida anualmente durante o conselho de classe dos professores. Há uma tendência de ser semestralmente.

O que você sabe sobre a EJA no Brasil?
Todas as modalidades que atendiam os estudantes adultos tinham como proposta a "recuperação do tempo perdido". Por isso, tinham um enfoque conteudista e extremamente resumido. Atualmente há uma tendência de termos uma EJA pautada no direito do aprendizado dos estudantes, do respeito à diversidade.

Conhece algum autor que discute sobre EJA no Brasil ou em outro país? Quais as concepções desses autores?
Miguel Arroyo. Concebe a EJA como um direito do cidadão que não teve, por algum motivo, como frequentar a escola.

O que é EJA para você?
Uma modalidade de ensino que existe porque o Brasil nunca conseguiu atender à sua população com um ensino que atendesse a todos e com qualidade, sem exclusão e sem hierarquização das diferenças. Por isso existe esta modalidade: atender aos excluídos e aos discriminados. Atualmente existe muita coisa sendo produzida e colocada em prática para atender a estes estudantes. Mas são coisas muito novas. Os prórprios estudos em educação aqui na Brasil são muito recentes. Muitos desafios, muitos muros e pedras para serem transpostos.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Entrevista estudante da EJA

Aluna: G
A aluna com 62 anos, faz um relato que retrata a sociedade excludente em que viveu a infância.
Uma sociedade capitalista que valorizava a força de trabalho, marginalizava a mulher, pobre, negro. Inserida nessas características, a senhora G sofreu muito e ia para a escola para comer.Quando chegava em casa não fazia o dever porque tinha que trabalhar na lavoura com os pais. Por isso saiu cedo da escola. Segundo ela, tinha que passar o dia com apenas um pedaço de pão. Família interiorana veio tentar a vida na capital. Quando sua mãe deixou a casa de família em que trabalhava a patroa disse para levá-la embora, pois o máximo que seria era catadora de papel.
Aos dezoito anos, já dominando os afazeres domésticos, essa mesma família que a excluiu quando criança, “brigava” para ficar com ela devido suas habilidades. Ela relata que como não sabia ler, memorizava as receitas que ensinavam para ela e nunca esquecia.
Com quase sessenta anos, trabalhando numa outra casa de família, a patroa sensibilizou com a história dela e de seu desejo de se alfabetizar que pagou aula particular. Após sofrer acidente, tendo de deixar o trabalho, ao se recuperar procurou a EJA, e pretende realizar seu sonho de ser alfabetizada.
Podemos perceber através do relato da senhora G que ela viveu os vários momentos da sociedade capitalista, excludente. Num primeiro momento, é visível a cultura do silêncio, onde todos à sua volta dizia que ela não aprenderia; outro momento, ela era valorizada pelo que poderia realizar, no caso, as tarefas domésticas (exploração- força de trabalho); já com idade avançada vê a oportunidade de voltar ao ambiente escolar. Nesse ambiente, seu tempo é respeitado, bem como suas vivências.
A partir do momento em que a professora dedica tempo para falar sobre receitas, debater sobre noticiários, está colocando em prática, de alguma forma, a teoria de Freire, a pedagogia do oprimido,da esperança, da libertação.

Entrevista estudante da EJA

·Nome: A

·Idade: 39
·Profissão: Costureira
·Quais as motivações que levaram você a voltar a estudar?
A necessidade que tive de arrumar um bom emprego. A vontade de adquirir novos conhecimentos. E fui motivada pela minha professora de costura.

·Que motivos levaram você a abandonar os estudos ou não estudar quando criança ou adolescente?
O motivo que me levou a parar de estudar aos 18 anos foi porque o meu pai havia saído de casa e tive que optar por trabalhar para ajudar em casa.

·Se estudou antes, em que série parou?
7º série incompleta.

·Quanto tempo você está na EJA?
Comecei este ano de 2010

·O que você estuda na EJA parece mais coisas para crianças ou para adultos?
Para adultos

·Que materiais e conhecimentos dos adultos são utilizados nas aulas?
Livros, apostilas e o ensino dos professores.

·Você acha que os conhecimentos que já possui estão sendo utilizados e respeitados nas aulas?
Sim

·O que você tem aprendido de novo e como tem aprendido? (descrever algo que aprendeu e como aprendeu)
Tenho aprendido a trabalhar nos projetos de alguns professores (elaborar teatros). Começamos lendo um livro de crônicas e logo em seguida comentando com o professor a crônica fui escolhida para escrever um teatro e vamos ensaiar para apresentarmos para toda a escola.

·O que você aprende faz sentido para você? É importante? Por quê?
Sim. Sim. Porque todo o conteúdo que aprendo será utilizado durante o percurso da minha vida.

Entrevista professora da EJA

1- A professora: H

Com formação em Magistério, está aproximadamente 10 anos na EJA.
A professora desconhece qualquer autor em que possa lançar mão de suas idéias para auxiliar seu trabalho. Ao ser questionada a respeito de Paulo Freire relatou que ele não apresenta “idéias” para a EJA (relato antes da gravação).
Mas, no decorrer da entrevista percebe-se que a forma pela qual conduz seu trabalho, em muito tem a ver com Freire. Segundo seu relato, ela costuma trabalhar com palavras utilizadas pelas alunas; inclusive das palavras de uma determinada aluna que é a “contadora de história” da sala. Entende que suas “meninas” não tiveram oportunidades em tempo ideal e que agora são parceiras nessa caminhada. Disse que há uma troca de aprendizado, “todos os dias eu chego em casa e fico pensando no quanto eu aprendo com as minhas meninas!”
Ao contrário da educação bancária, sua sala de aula apresenta um clima harmônico, com bastante diálogo e dinâmica.
Ela acompanha o ritmo das senhoras que têm idades a partir de 60 anos. Algumas estão aprendendo a escrever o próprio nome, ainda.


(Publicado por Márcia Pascoal e Maria Aparecida Moura – Graduandas de Pedagogia UFMG)